No Direito, um fato comporta vários olhares, destacando-se a preocupante incorporação dos riscos psicossociais na NR-01, cujas alterações entram em vigor no final do mês de maio do corrente ano1.
A mudança bebe da abordagem da saúde mental2 como um direito fundamental de prestação positiva, sendo impossível desvinculá-la do diagnosticado transporte do sentimentalismo ao contencioso corporativo com o fim de dar respostas simpáticas à problemas complexos, como a ansiedade e o burnout.3
O que ecoa, entretanto, é a contradição do Poder Público: sem saneamento básico, com divã no trabalho. Em Minas Gerais, 16,2% da população mineira carece de acesso à água e 23,8% não dispõe de coleta de esgoto; Guarulhos, segunda maior cidade do Estado mais rico do País, conta com apenas 13,6% do esgoto tratado.4
Nesse contexto invertido, e de judicialização exacerbada, a Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego nº 1.419/2024 passará a exigir das empresas investigação, identificação, prevenção e gerenciamento de riscos laborais relacionados ao sofrimento psíquico dos próprios colaboradores.
Se, por um lado, ninguém busca o calvário no ambiente de trabalho, sobretudo pelo impacto na produtividade e na rotatividade dos colaboradores, por outro, a ampliação de mais uma responsabilidade ao empregador acarretará conflitos e, sem dúvida, um aumento do passivo trabalhista.
A NR-01 definia o risco ocupacional como uma combinação de eventos que gerariam lesão ou agravariam a saúde dos atingidos, limitando-se aos agentes físicos, químicos, biológicos e ergonômicos. Hoje, a redação é a seguinte:
1.5.3.1.4 O gerenciamento de riscos ocupacionais deve abranger os riscos que decorrem dos agentes físicos, químicos, biológicos, riscos de acidentes e riscos relacionados aos fatores ergonômicos, incluindo os fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho.
Gera mais inquietação a introdução do termo “risco ocupacional evidente” no Anexo I da disposição, o que leva à seguinte indagação: como impor ao empregador o ônus de verificar riscos supostamente óbvios, como o psicossocial, muitas vezes não relacionados exclusivamente ao trabalho, mas à uma série de fatores alheios?
Apesar do dilema, será obrigatório incluir no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) medidas para mapear periodicamente o estado da saúde mental dos empregados e, tais medidas, até para que possam ser eficazes, deverão ultrapassar os limites do local de trabalho e alcançar o ambiente externo (Item 1.5.4.3.25).
Estarão em jogo o direito à privacidade – que pressupõe a não intromissão do empregador – e a obstinação pelo bem-estar, sendo incerto como o equilíbrio entre esses dois objetivos deverá nortear o PGR.
Para exemplificar: como ficará a situação de um empregado, usuário de ansiolíticos, simultaneamente envolvido em conflitos pessoais como um divórcio litigioso, caso suas demandas laborais habituais sejam interpretadas como agravantes do sofrimento? A Portaria imporá ao empregador o dever de adaptar tarefas sob o argumento de “falta de empatia”, mesmo que os fatores desencadeadores sejam alheios ao ambiente laboral?
Mais crucial: cabe ao empregador conhecer detalhes íntimos da vida do empregado para cumprir a Portaria, ou isso configura intromissão indevida na esfera privada?
Frente aos questionamentos, a resposta passa necessariamente por transparência nas ações e diretrizes e no envolvimento direto dos colaboradores no processo de gerenciamento (Item 1.5.3.36). Isso inclui o registro minucioso de reclamações, e até de denúncias nos casos de assédio moral ou sexual, publicidade no trâmite e sanções efetivas, atentando-se às situações em que o risco psicossocial manifesto exija controle e repressão imediatos.
A NR-01, porém, não dita medidas taxativas, o que reforça o papel crucial da assessoria jurídica na elaboração do plano de ação. Entre outras iniciativas:
1. Programas e palestras de incentivo à saúde mental;
2. Disponibilização de profissionais via terapia online ou presencial;
3. Entrevistas frequentes com os empregados;
4. Questionário de avaliação e de satisfação com o próprio gerenciamento de riscos;
5. Consultoria técnica e da CIPA7, para garantir a imparcialidade na análise técnica dos achados colhidos.
Sob a ótica do custo-benefício, haverá custo na resistência à transformação. Com a crescente medicalização da população, da Geração Z, inclusive, que ingressa progressivamente no mercado, a negligência trará despesas futuras de saúde ocupacional. Por isso, como diz o ditado: priorizar a prevenção de danos psicossociais é mais racional que remediá-los.
Para proteger sua empresa da fiscalização e das multas8, a equipe trabalhista do LACERDA E JUNQUEIRA ADVOGADOS atua na prevenção de litígios, garantindo conformidade até mesmo com as normas mais complexas, evitando judicializações desnecessárias. Agende uma consulta!
- Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselhos-e-orgaos-colegiados/comissao-tripartite-partitaria-permanente/normas-regulamentadora/normas-regulamentadoras-vigentes/NR01atualizada2024II.pdf. ↩︎
- A expressão saúde mental, de acordo com alguns estudiosos, não é um termo holisticamente completo, privilegiando, ao gosto dos mentalistas, processos mentais objetivos. ↩︎
- Dalrymple, Theodore. Podres de Mimados: as consequências do sentimentalismo tóxico. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2016, p. 66-81. ↩︎
- Disponível em: https://www.painelsaneamento.org.br. ↩︎
- 1.5.4.3.2 A identificação dos perigos deve abordar os perigos externos previsíveis relacionados ao trabalho que possam afetar a saúde e segurança no trabalho. ↩︎
- 1.5.3.3 A organização deve adotar mecanismos para: a) a participação de trabalhadores no processo de gerenciamentos de riscos ocupacionais, proporcionando noções básicas sobre o gerenciamento de riscos ocupacionais. ↩︎
- 1.5.3.3 A organização deve adotar mecanismos para: b) a consulta aos trabalhadores quanto à percepção de riscos ocupacionais, podendo para este fim ser adotadas as manifestações da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio – CIPA, quando houver. ↩︎
- 1.3.3 Cabe à autoridade regional competente em matéria de trabalho impor as penalidades cabíveis por descumprimento dos preceitos legais e regulamentares sobre segurança e saúde no trabalho. ↩︎